Carta aberta aos moradores da Cantareira

(Para acessar, clique no título)    Primeiro, quero me apresentar. Meu nome é Luiz Fernando Emediato, sou jornalista, escritor e dono de editora que publica livros. Moro na Serra da Cantareira (Parque Petrópolis) desde 1982 – 40 anos! – e passei aqui 36 anos quieto no meu canto, vivendo em função de São Paulo, sem me preocupar com nada além da minha rua, a Alameda Costa Rica. Mal falava com meus vizinhos. Há quatro anos transferi meu título para Mairiporã e decidi participar intensamente da vida comunitária, tentando entender seus problemas e oferecendo ajuda – porque eu mesmo não preciso de nada, vivo em rua tranquila e segura, com 15 casas e intensa integração entre os vizinhos.

Quanto vim morar na Cantareira, quase não havia trânsito na estrada que até aqui sobe, a partir da Vila Albertina, atual Avenida José Ermírio de Morais, até o posto policial, de onde se bifurca: pela direita, a estrada da Roseira (hoje Avenida Vereador Belarmino Pereira de Carvalho); pela esquerda, a Avenida José Gianesella. No meu tempo, a estrada da Roseira era pura terra.

Minha rua, que mede menos de mil metros, era toda de terra e havia nela três casas. Hoje são 15. Da metade para o final (é sem saída) há uma grande ladeira, e ali meu carro atolava ou deslizava perigosamente na estação das chuvas. Ninguém entregava gás, e minha mulher buscava os bujões no Tremembé. Uma vez capotou com dois deles, perto da curva da Macumba (Praça Elis Regina), os bujões voaram pelo meio do mato, mas tanto ela quanto nossos três filhos, com menos de 9 anos de idade, felizmente nada sofreram. Eu, jornalista, viajava pelo mundo, e minha família ficava sozinha no meio do mato.

A vida não era fácil, mas era segura. Minha casa não tinha muro nem portão. Tínhamos aranhas, escorpiões e cobras, nunca fomos picados. Vivi quatro anos nesta casa (era alugada) e depois mais quatro na Avenida São Paulo, esquina com Jequitibás. Então comprei a mesma casa da Costa Rica, reformei e nela estou há 20 anos. Por ela passaram quatro esposas (das quais três continuam minhas amigas). Agora, aos 70 anos, moro aqui com minha filha de 5 anos.

“Imposto não é plano de capitalização individual, é nossa contribuição para a sociedade”  

Trata-se de um paraíso, e agora vamos entrar no assunto desta carta: associações, fornecimento de água, segurança. E de como preservar este nosso paraíso.

Primeiro: eu e nossos vizinhos, há 20 anos, nos reunimos e calçamos a rua com bloquetes (ecológicos), em parceria com a Prefeitura, que nivelou o solo e colocou as guias. Ok, pagamos IPTU (hoje bem caro), mas entendemos que nossos impostos vão para um caixa comum e a prioridade é atender aos mais pobres do município. Imposto não é plano de capitalização individual, é nossa contribuição para a sociedade.

Desde o início sou filiado à Associação dos Moradores do Parque Petrópolis (AMPP), a quem eu pagava pelo fornecimento de água e uma pequena taxa associativa. Nunca reclamei dos serviços, sempre fui bem atendido. Mas era um associado relapso: pagava, recebia o serviço e nem ia lá. Não sei os nomes dos presidentes e diretores, nunca fui a uma assembleia de prestação de contas, nunca votei. Minha vida era em São Paulo. A água vinha limpa, às vezes barrenta (época das chuvas), na seca faltava, e era preciso racionar. Coisas da vida.

Quando reformei a casa onde moro, decidi investir em um poço artesiano e fui buscar água na rocha, puríssima, a 163 metros de profundidade. Instalei um hidrômetro e uso com senso de responsabilidade. Mandei então desligar a água da AMPP, mas continuei pagando a mensalidade. Menos de 100 reais, para que me desfiliar? Não sou rico, mas dinheiro pouco eu tenho muito…

Trabalhei durante dez anos como editor e depois diretor no jornal “O Estado de S. Paulo” e três no SBT (então na Vila Guilherme), como Diretor-Executivo de Jornalismo. Ia e voltava todos os dias, inclusive aos sábados.  Ao decidir participar da vida em comunidade e trabalhar mais em casa do que em minha editora, também me integrei com a vizinhança. Quase não vou a São Paulo. Minha rua tem fibra ótica da Vivo (que me atende bem) e internet 600 MB. Tenho uma biblioteca com 7.500 livros e cinema em casa; saio pouco. Curto a vida.

Notem que eu continuava sócio da AMPP e não precisava dela para ter água. Aí começou em minha rua uma discussão sobre segurança. Rua sem saída com apenas 15 casas tinha, à noite, um estranho movimento de carros e motocicletas: namorados que faziam dela motel e jovens em busca de um lugar sossegado para usar drogas. Uma casa foi assaltada duas vezes, e tentaram assaltar outra.

Sem muito alarde, e sabendo que o Estado e o Município, sem recursos, não nos forneceriam segurança ‘preventiva’ – no máximo um socorro quando de um assalto, ou para registrar o fato – fizemos um acordo, colocamos portão na rua (fechado só à noite, não impede o trânsito diurno), instalamos câmeras em nossas casas, alguns investiram em cães de guarda, e construímos uma excelente parceria com a Associação de Moradores: instalamos alarmes e o monitoramento 24 horas. A AMPP instalou quatro câmeras. Se o alarme dispara (mesmo acidentalmente) uma pessoa liga em dez segundos, se tanto, e se ninguém atende, ou se atende, mas não fala uma senha, manda o carro do monitoramento e avisa a polícia. Até agora, nada aconteceu.

Nas redes balbúrdia e equívocos

Participei de vários grupos de WhatsApp aqui na serra. De alguns, saí entediado, ou chateado com os bate-bocas. De outros, fui expulso por ‘delito de opinião’. Não brigo com ninguém, mas falo o que penso, transparentemente.

E o que penso? Penso – até com base no que foi e é minha vida aqui – que não podemos depender apenas do Estado e do Município, embora devamos reivindicar nossos direitos de cidadãos em dia com nossos impostos (mesmo entendendo que boa parte deles irá atender a população mais pobre). Assim, temos que nos organizar na comunidade e fazer parcerias com o poder público. E com as associações. Exatamente: com as associações.

 Nos grupos de WhatsApp, conheci a balbúrdia: membros de associações que não pagam suas taxas em dia e querem ser servidos; outros que acham absurdo uma associação “vender” água (a Sabesp fornece de graça?); que condenam o monitoramento (sim, é obviamente pago, mas é opcional, paga quem quer e usa); que xinga quem tem opinião diferente; que reclama da própria associação.

Não posso falar de nenhuma além da minha, a AMPP, pois não as conheço, mas na AMPP ninguém é obrigado a ser sócio para usar a água (é serviço pago à parte). A AMPP abastece de água 935 residências. Destas, 677 pagam apenas pela água, 270 são associados, dos quais 114 pagam pelo monitoramento. Fui lá ver os números (é meu direito de associado) e notei que o dinheiro dos associados, somado à taxa de monitoramento, não paga esse monitoramento, então o déficit é coberto com o pequeno superávit do arrecadado com o fornecimento de água. O orçamento mensal é de R$ 350 mil. Muito pouco para o tanto que é oferecido, em minha opinião.

Sei que há associações – só não sei quais – que atrelam o fornecimento de água à obrigatoriedade de se ser associado. É ilegal. Está na Constituição que ninguém é obrigado a se associar. Mas, pergunto: qual a resistência em se associar? Se vivemos em comunidade, e numa comunidade com tantos problemas (como Segurança, Meio Ambiente), por que não ser sócio e participar da vida da associação? Ir a todas as assembleias. Exigir que as contas estejam na Internet, como o Portal da Transparência dos governos. Montar chapas, disputar a sucessão. Revezar as gestões.

Ultimamente a Serra da Cantareira virou imprevista atração turística. Era inevitável. Se o lugar é belo, e se a vocação de Mairiporã não é a indústria, mas o turismo na floresta, o turismo aquático, um dia os turistas iriam chegar. Antes que vire um caos, a comunidade tem que se unir ao poder público para regular isso. Mas como? Mil, 5 mil pessoas não podem correr como um rebanho enfurecido ao Prefeito ou ao Secretário de Turismo ou de Meio Ambiente para reivindicar. É preciso ter representantes. Quem, senão as associações?

Via de duas mãos ou
a cada um a sua parte

Não posso nem devo me meter nas associações de outros loteamentos, mas, no meu, já procurei a AMPP (procurei, não fui procurado) e me pus à disposição para ajudar. Como já disse, não preciso de nada, mas, se quero ajudar a comunidade (para que a vida em meu paraíso não vire um inferno), com quem devo tratar? Com a associação do meu bairro e com o poder público.

Com a Associação, colocamos monitoramento em nossa rua, pelo preço de R$ 128,00 – metade do que cobra a famosa Verisure que só nos dá um sistema de alarme. Com o poder público, como já disse, calçamos nossa rua e ainda fazemos pequenas coisas: há dias percebemos que três árvores iam desabar sobre a fiação elétrica e de telefonia e internet da rua. Acionamos a Defesa Civil, e o próprio Secretário de Meio Ambiente, Eduardo Vitorino, veio muito gentilmente avaliar os riscos. Avaliou e programou o corte para daqui a quatro meses – pois havia outras prioridades tão importantes como, ou mais. Não tivemos dúvida: nós, moradores, com autorização da Prefeitura, mandamos cortar. Custou R$ 100,00 para cada um.

Finalmente: eu pago R$ 218,00 para a AMPP. São R$ 90 de taxa associativa e R$ 128 para o monitoramento que, descobri, atende a apenas 114 moradores. Poderia atender a todos – se todos pagassem. Como provavelmente parte dos 935 que pagam pela água não sabe disso, pergunto: que tal TODOS se afiliarem e pagarem também pelo monitoramento? A Associação ganharia orçamento e força, poderia contratar mais carros e ter mais câmeras. E esses novos associados, claro, poderiam – deveriam – participar da vida da Associação, checar as contas, cobrar do presidente e da diretoria, fazer valer seus direitos: os direitos de quem paga.

Digo isso porque, embora novo nessa história – passei 36 anos calado e anônimo, agora decidi participar – já procurei a AMPP e propus exatamente isto: uma campanha de filiação, um debate maior com os associados, transparência absoluta. Em outubro, me disseram, haverá eleição para a diretoria.  É hora de se saber em quem votar e escolher bem. Eleita a diretoria, cuidar dela, não sair de perto.

Espero, sinceramente, que as pessoas despertem. Em vez de brigar – a palavra é esta – ou apenas reclamar em grupos de WhatsApp, quem sabe nos associarmos e elegermos nossos representantes para tocar a vida neste paraíso em parceria com o Poder Público? Que tal todos transferirmos nossos títulos para Mairiporã e nas próximas eleições reelegermos o atual Prefeito – se ele trabalhar direito – ou eleger outro com uma boa proposta?

Como dizia Platão, há quase 2.500 anos: o castigo das pessoas capazes que se recusam a tomar parte nas questões governamentais é viver sob o domínio das pessoas incapazes. Não precisamos nos candidatar – embora possamos, é decisão de cada um – mas participar da vida comunitária como cidadãos ativos é, para mim, fundamental.

 Luiz Fernando Emediato

 

5 Replies to “Carta aberta aos moradores da Cantareira”

  1. Penso muuuito parecido, atitude e união operam milagres, mas devem sim ser cobrados alguns serviços com base na arrecadação de impostos da região, pois diferentemente da utopia de que 100% serão destinados à população mais pobre, grande parte desse valor é direcionado a bolsos e compras de votos para próxima eleição dos incapazes, de quem estamos à mercê por nossa própria conivência.

  2. A AMPP abastece de água 935 residências. Destas, 677 pagam apenas pela água, 270 são associados, dos quais 114 pagam pelo monitoramento. Você ter o direito de escolher sem ser perseguido, caluniado, difamado. ISTO É DEMOCRACIA. Que sirva de exemplo para as outras Associações de Moradores. Parabéns pelo excelente texto.

  3. Isto é democracia, você ter o direito de escolher sem ser perseguido, difamado ou caluniado. Que sirva de exemplo para as outras Associações de Moradores.

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