Encomenda não chega?

Numeração predial caótica é problema antigo

A família pede uma pizza numa noite de sábado. Uma hora depois, recebe um telefonema da pizzaria: o entregador não consegue encontrar o endereço. Muitos moradores da Serra conhecem bem essa situação. Ela ocorre porque a numeração predial, ou seja, o número dos imóveis residenciais e comerciais, muitas vezes não segue uma lógica.
O problema já foi pior. Até recentemente, Mairiporã inteira tinha apenas um CEP. Ruas com o mesmo nome causavam transtorno não apenas para moradores, entregadores e carteiros. Essa confusão complicava o acesso de serviços públicos, como ambulâncias e policiamento, dentre outros.
Com a alteração do CEP geral para novos CEPs, particularizados por ruas, ou logradouros, tudo poderia ter melhorado. Mas não! Mesmo porque algumas vias que eram ‘avenida’ passaram a receber a denominação de ‘alameda’. Exemplo: a Avenida das Paineiras, no Parque Petrópolis, agora é Alameda – na verdade, muito mais adequado a uma rua de terra, sim. Só que, no outro lado do município, próximo à Fernão Dias, já existe uma Alameda das Paineiras, e para lá o waze conduz o pobre entregador, que não encontra o número marcado na encomenda… Assim, às antigas complicações somaram-se novas.
A pandemia do novo coronavírus agravou o problema. Pessoas em home office passaram a comprar ainda mais online, e as entregas são feitas por terceirizados, que muitas vezes não conhecem a região. Em algumas associações, o problema é remediado pela entrega domiciliar aos associados, feita por funcionários, ou eles indicam a localização da residência.

Confusão tem várias origens

Nos últimos cinco anos, venho tentando buscar uma resposta às causas desse problema, além de soluções para isso. Ouvi de funcionários da Prefeitura (e de alguns vereadores) que o problema era causado por moradores que teriam colocado, por iniciativa própria, números ao acaso em suas residências, para poderem fazer a ligação de energia elétrica.
Não duvido que isso aconteça. Parece pouco provável, no entanto, que seja a regra, afinal, na Serra da Cantareira há legislação rígida para construções, que deveriam ser alvo de fiscalização constante do poder público.
Outra causa, essa pouco conhecida, é mesmo a falta de um marco zero na cidade. Consultei arquitetos e engenheiros que trabalham na região, e foram unânimes na resposta vaga de que “aqui é diferente”.
Uma das pessoas com quem falei disse que era preciso “ver na lei” a ordem da numeração, ou seja, o ponto em que uma rua ou avenida começa e termina, com o número dos imóveis seguindo essa ordem.
Nos dois casos, seja qual for a razão, a responsabilidade por sanar o problema é da Prefeitura. Quanto à numeração, por exemplo, o Ministério Público de várias cidades já obrigou gestores municipais a sistematizar e regularizar a numeração predial.

Marco Zero é questão de futuro

Por que então o problema não é resolvido? Uma alegação, dada por um ex-vereador, beira o absurdo: seria necessário haver concordância de 100% dos moradores de uma rua para que fosse possível regularizar a numeração.
É surreal que corrigir algo sabidamente errado necessite de ‘aprovação popular’, já que todos serão beneficiados. Além disso, o processo pode ser feito progressivamente, começando pelas vias principais. A não ser que haja algum outro interesse envolvido na permanência da numeração irregular.
O primeiro passo para arrumar a numeração predial passa pela definição, com a precisão da tecnologia atual, de um marco zero, que torne simples identificar o ponto em que uma via inicia – o ponto mais próximo do marco zero – e termina. Essa ação favoreceria inclusive o uso de aplicativos de diversos tipos, que teriam uma base objetiva e lógica para determinar locais e distâncias.
Um marco zero, conhecido e divulgado, além disso, seria também um atrativo a mais nesta cidade que se pretende turística. Isso sem contar na maior eficiência administrativa e outros usos. Uma cidade inteligente precisa ter seus fundamentos na gestão e no conhecimento do território. Mas aqui, em Mairiporã, ainda é uma questão de futuro.
Flávio Soares de Barros 

Consultor em Relações Internacionais e Cultura, escritor e tradutor. Cursei Administração Pública (FGV), Desenvolvimento Internacional (Universidade de Roskylde, Dinamarca) e Letras (USP). Mestre em Letras e Doutor em Relações Internacionais (USP). Gosto de política, arte e de tentar entender o mundo em profundidade. Vivo na Serra desde 2005.

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