Pioneiros da informática

Nesta entrevista, João M.J. Gabriel, mais conhecido como JMJG, proprietário da ESIJMJG – empresa de restauração de sons e Computadores Vintage –   compartilha conosco informações preciosas sobre o início da trajetória da microinformática pioneira, ou seja – a evolução dos microcomputadores desde os anos 80.

Fabio: Conte-nos um pouco de como foi seu contato inicial com computadores da época. Que tipo de aparelhos estavam disponíveis no mercado?

JMJG: Ganhei meu primeiro computador em 1987, era um modelo MSX da Gradiente – o Expert – e ele rodava no sistema BASIC interno.  Naquele tempo os computadores não tinham unidades de disquete e muito menos Disco Rígido. Os programas eram gravados em fita cassette e demoravam uma eternidade para carregar. Nessa época computadores eram somente para os ‘fortes’, pois na maioria das vezes tinha-se que elaborar o próprio programa  como um editor de texto, jogos, um editor gráfico, o que fosse. Senão o computador não fazia nada. Claro que existiam softwares prontos (vendidos até em bancas de jornais), revistas com listagem de jogos que nem sempre funcionavam após longa digitação, mas nada profissional. Era mais como um ‘joguinho sofisticado’ da época. Como dissemos, geralmente o computador era usado num gravador de fitas K7 e ligado a um canal de TV como o jogo da febre da época – o primeiro videogame caseiro, Telejogo – dando lugar depois aos jogos de cartuchos.  

A princípio, nos computadores da linha MSX ou CP200 e outros, colocava-se o computador para ‘ouvir a fita’ através do comando ‘load’ em  BASIC, que lia na fita um barulho semelhante ao das placas fax-modem antigas, lembram-se? Ao final da longa espera, se tudo desse certo… e se a fita não estivesse estragada, minimamente, em algum ponto, o programa rodava. Caso contrário, era frustração e muito tempo perdido levando, com certeza, alguns programadores a se descabelarem durante algum desenvolvimento perdido.

CP-200 Prológica

Sim! Eu mesmo quis ter um computador para poder jogar e aprender a criar meus próprios jogos. Os telejogos eram muito caros e limitados. E o computador, mesmo sendo simples, era ilimitado em seu poder de fogo. Por volta de 1982 meu cp-200 rodava planilha, jogo de xadrez, simulador de voo, batalha naval, até um programa de pergunta-resposta parecido (mas primário) com o ChatGPT  de hoje. Aquilo era mágico! Sem falar nas aulas de matemática. Como ficava tudo mais simples!

É, lembro-me ter jogado no MSX “Antarctica Adventure”, um clássico carregado via disquete de 5 ¼, em 1988 no laboratório de informática, e que demorava uns 90 segundos para carregar; mas eu pirei com esse jogo. Era um pinguim que tinha que andar no gelo, comendo peixes e desviando de obstáculos. Em versão cartucho, os jogos carregavam em menos de 5 segundos, mas era caríssimo. Já na versão ‘fita’,  os mesmos jogos demoravam entre 15 a 25 minutos para carregar.

 Em meu CP 200, JMJG, eu usava um gravador Akai como aquele que você me consertou ele tinha contador de ‘espaços entre as músicas’ , o que tornava o trabalho de localizar meus programas dentro das fitas menos penoso. Também fiz ‘backups’ manuais, anotando num papel alguns programas que criei já que nem sonhava em ter impressora, que eram raras e caríssimas, dentre outras dificuldades! Também narrava o nome do software que criava em minhas fitas. Isso ajudava a não me perder numa fita cheia de programas. O maior programa no CP-200 com 16 kb de memória gastava na fita cerca de 7 minutos para carregar ou salvar.

CP-200 S

A gente colocava a fita pra gravar e salvava os programas digitados com o comando ‘save’.

Aquele computador vinha com 16 kb de memória, e eu tinha aguardado sair o modelo da Prológica, porque o primeiro modelo da linha Sinclair Z-80 (TK 80) vendido aqui no Brasil como kit de eletrônica tinha apenas 1 kb de memória. Mal dava pra criar um pequeno programa de cálculos. Sabendo disso, eu quis ir mais longe.

Você já pegou o MSX da Gradiente, mais arrojado o hardware dele, não é?…

Sim, 1987 ganhei  um MSX e apanhava do meu gravador K7. No começo apanhava mais ainda porque nem o gravador eu tinha, digitava um montão de linhas, depois desligava o aparelho e perdia tudo… Mesmo assim era uma sensação poder programar naquela linguagem onde tudo começou…

Praticamente todos os modelos de computadores dessa época usavam as fitas K7 como meio de armazenamento e, alguns, a televisão como monitor; sintonizava-se um canal VHF geralmente no 2, 3 ou 4, e tinha-se o vídeo do computador. Isso minimizava o custo, sendo que até as TV’s coloridas na época eram caras.

 Note-se que um programa de MSX, por exemplo, não rodava em CP 200, pois cada um tinha um BASIC com ligeiras diferenças! Era uma confusão, se tu tivesse um Apple 1 ou um TRS-Color ou ZX Spectrum ou ainda um Sinclair cada um teria que adaptar seu  programa para o  formato BASIC pertinente, senão não rodava. Não tinha um padrão como se tem hoje, no tocante aos sistemas operacionais e suas linguagens. O Basic não era um sistema operacional, era só um compilador de linguagem. O computador – apenas ao ligá-lo – estava mais pra uma calculadora esperta, nada mais.

MSX Gradiente

Já no MSX tinha três processadores e era uma arquitetura próxima à moderna: existia a CPU principal, um processador de áudio  como usado nos fliperamas da época com efeitos especiais, vozes, etc. e um processador de vídeo da Texas Instruments. Os joguinhos então eram fantásticos, pois além de serem coloridos, havia efeitos e trilha sonora como inovações incríveis para a época.

Diga-me JM, já existiam disquetes?  Quando foram inseridos, você se lembra? Só fui conhecer as mídias e discos rígidos anos depois, trabalhando em um jornal no final dos anos 80 já com arquitetura 8088 (XT) e 286’s

As unidades de disquete, como mencionei, eram muito caras e raras de se comprar no Brasil, mas existiam sim. No caso do Msx era necessária uma interface cartucho para fazer a conexão no barramento de dados.

Somente um modelo saiu com Floppy de 3 ½ polegadas de fábrica, mas nem imagino o preço dele no mercado nacional na época!

Só fui ter um MSX assim equipado, 38 anos mais tarde, quando encontrei de um colecionador e adquiri esse para completar minha coleção particular que era meu sonho da época (risos).

Vamos esclarecer em números para os usuários atuais como era a capacidade de armazenamento naquele tempo.

Cp-500 Prológica

Em modelos como o CP-500 da Prológica ou MSX da Gradiente, as primeiras unidades de disquete (floppy’s) só armazenavam 180 Kb de dados. Pífio para os dias atuais, não é mesmo? Isso porque a memória (RAM) era mínima, também. A partir de 1990  vieram os com leitura de 1.2 Mb e depois as unidades menores – usados até meados dos anos 2000 com capacidade de 1,44 Mb.

HD antiga (Winchester)

As vantagens em relação à fita eram muitas, mas nada comparado aos discos rígidos, claro. A proliferação dos computadores pessoais se deu quando a barreira do armazenamento não volátil foi rompida com maior capacidade e velocidade dos primeiros Hard Disks, chamados na época de “Winchesters”. Os primeiros modelos foram discos para computadores XT e depois na linha AT com mais capacidade de armazenamento.

Nos primeiros, sua capacidade era de até 20 Mb. Era suficiente para rodar o sistema padrão da época – o ‘DOS’. Não existiam ainda sistemas operacionais gráficos como Windows, Linux ou Mac. Depois da linha AT , quase todos os computadores já tinham Discos-Rígidos, e suas capacidades foram sendo aumentadas para os tamanhos de 64, 128, 250, 500Mb, até os “Bigfoots” com 1 Gb! Hoje em dia nem a memória RAM dos smartphones é tão pouca assim! (risos)

HD por dentro

Sim! Notem leitores, que estamos falando de espaço em disco, não em memória RAM. Essa, sempre mais cara, era mínima e até mesmo por isso que ocorreu no mundo a famosa operação Bug do Milênio, para manobrar os poucos bytes principalmente dos computadores bancários  (Mainfraimes) – um segmento bem significativo, que vai na contramão da informática, visto que até hoje esses computadores estão ativos porque são blindados a ataques por serem tão arcaicos, mas estáveis, por assim dizer.

Isso mesmo. Já na microinformática que permanece em evolução constante e frenética até hoje, o grande salto foi realmente a demanda de softwares que surgiram com outras linguagens, inclusive jogos, que fizeram com que a corrida dos componentes e miniaturização fosse cada vez mais em larga escala, possibilitando essa evolução até os dias de hoje: o hardware sempre acompanhando a demanda de processamento cada vez maior nas linguagens de altíssimo nível hoje em dia, se comparadas ao Basic antigo.

Eu arrisco dizer que as arquiteturas do hardware evoluem mais rapidamente do que os programadores conseguem desenvolver em linguagens e nas linguagens que geram linguagens, muito mais complexas, que demoram ainda mais para serem aperfeiçoadas, assim como os sistemas operacionais. Hoje há ferramentas essenciais para que a programação em si se torne mais prática e eficiente.  Por exemplo, ao criar um jogo hoje em dia, o programador já encontra sons e texturas prontas, enquanto nos tempos ancestrais, tudo era programado (e executado) linha por linha, jogo a jogo…

Quanto mais simples para o humano programar…

Mais complexo para a máquina executar, não é mesmo?

Exatamente.

Falando em sistemas operacionais… Vamos recapitular um pouco do que solidificou mais e mais a relação (até então inexistente) entre o usuário e a máquina: O velho espaço para armazenar, compilar e rodar um programa foi assentado pelos primeiros sistemas operacionais. O que ‘pegou’ na microinformática de PC’s foi o DOS, lembra?

No CP-500 e 400 que eram máquinas mais robustas já rodava um sistema operacional compatível com o processador Z-80 desses equipamentos. Era o sistema CP/M-80 para todos eles que usavam o mesmo.

Mas foi a partir do padrão XT que tudo mudou; foi uma linha que trouxe muitas melhorias ao introduzir os incríveis Winchesters e os primeiros sistemas operacionais DOS  (que popularizaram), além do compilador de comandos BASIC.

Isso separava aos poucos a ‘elite pioneira’ ,  programadora dos primeiros usuários, efetivamente criando um novo nicho. Embora o MSX também tivesse um DOS, usuários raramente  o rodavam, pois exigia a unidade de disquete para isso. Na fita… impraticável rodar o sistema DOS!

O pulo do gato foi a combinação Intel (processador) x Microsoft  (sistema) devido à mudança do processador de Z-80 para arquitetura x86, onde reina até os dias de hoje, na microinformática.

Ok, JM,  agradeço muito dedicar seu tempo a essa matéria tão inusitada, estreando a categoria ‘Tecnologia’ em nosso jornal, e espero poder convidá-lo outras vezes, pois percebi que temos muito ainda a conversar sobre diversos assuntos. Obrigado!

Fique à vontade, foi também uma satisfação e será uma honra poder continuar a falar um pouco da minha história e do que eu vivo até hoje trabalhando com essa tecnologia Vintage.

Intel 486 e o MS-DOS
Um AT 286 “portátil”
Telejogo Philco – o primeiro videogame
JMJG: Engenheiro eletrônico, TI, colecionador e restaurador de PC’s e som Vintage
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Fmascri: Analista de TI, programador, músico e maker
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