Visões do Paraíso

“MUDE JÁ DA SERRA”

Estaria havendo um ‘êxodo’ da Serra?

Uma novidade tem chamado minha atenção. Na subida da Serra, alguns cartazes aconselham: “Mude já da Serra”. Soa quase como um incentivo: o lugar que muitos consideram um paraíso, aparentemente, conta também com pessoas que sugerem a mudança ‘para a cidade’. Um texto simples, mas que permite várias interpretações. Vou focar a mais literal.

Se morar na Serra é ótimo, também é bastante complicado. Temos espaço relativamente abundante, a proximidade da natureza e a tranquilidade, só quebrada por alguma festa com música alta ou por algum problema com vizinhos intransigentes.

Por outro lado, temos a dependência dos automóveis particulares, a carência de serviços públicos, a falta de oferta de serviços ou comércio e o alto custo de manutenção das residências. A visita de cobra, aranha ou escorpião é quase uma parte exótica de morar aqui. Duvido que alguém pense em se mudar por causa disso.

Por que sair da Serra?

Depois dos cartazes pendurados nas árvores – o que já é um contrassenso, pois estamos em área de conservação, surgiram os corretores no Portal, oferecendo folhetos coloridos de um lançamento luxuoso (mais um contrassenso, quantos desses folhetos irão sujar a mata?).

O que levaria alguém a deixar a Serra e optar por um apartamento? A primeira possibilidade seria fugir da ‘sensação de insegurança’ em nossa região, aumentada pelos relatos frequentes de tentativas de furtos e roubos, compartilhados incessantemente por moradores nas redes sociais.

Nesse caso, as soluções apontadas no debate público são, digamos, antiquadas. Já vi desde cursos de tiro, com apresentação de comprovantes de frequência, até propostas bastante eficazes (é uma ironia), sugerindo modos de ‘eliminação’ do problema, se me entendem.

Aqueles e aquelas um pouco mais comedidos exigem a presença constante do policiamento e a disseminação de câmeras e de mecanismos de denúncia de atos e pessoas ‘suspeitas’. Afinal, nós, os ‘happy few’, somos diferenciados e, certamente, identificaremos as pessoas que não se encaixam no padrão desejado para a nossa querida Serra.

Já os problemas de infraestrutura e de urbanização raramente são objeto de ações coletivas. As exigências, como ondas no mar, vêm e vão, sem que melhorias efetivas sejam implantadas.

Visões do paraíso ou pragmatismo?

Venho pensando seriamente em deixar a Serra. Não pela ‘sensação de insegurança’, pois moramos em país inseguro. Também não é pela falta de saneamento básico, tema que não consegue mobilizar os moradores, nem pela dependência do transporte individual – preservação e causa animal são compatíveis com SUVs e veículos extremamente poluidores?

Minha justificativa para pensar em abandonar a Serra é não querer, num futuro próximo, viver numa Serra devastada, urbanizada no pior sentido possível, com semáforos, campos de golfe, estabelecimentos sem compromisso com a sustentabilidade, sem pássaros cantando e com um céu sem estrelas, por causa da iluminação pública (outra ‘solução’ proposta para segurança).

Não tenho a ilusão de que a Serra possa se tornar um paraíso. Minha visão é pragmática. Simplesmente, não quero morar nesse lugar homogêneo, urbanizado e sem vida.

Flavio Soares de Barros

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